Em uma ação promovida pela Red Bull e pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP (IPT-USP), o triatleta Igor Amorelli tornou-se o protagonista do primeiro teste em túnel de vento de baixa velocidade realizado no Brasil, entre os dias 13 e 15 de julho.
As avaliações foram realizadas no túnel de vento do IPT, localizado na Cidade Universitária da USP, em São Paulo. A estrutura tem 40 metros de comprimento, uma seção de teste de 3 metros de comprimento por 2 metros de altura, e pode gerar ventos de até 90 km/h, tendo sido originalmente desenvolvida para testar grandes obras – como estádios, plataformas de petróleo e pontos. Acostumados a tamanha grandiosidade, os engenheiros da USP chegaram a ser surpreendidos pelos resultados dos testes de Igor.
“Em dado momento, fiquei sozinho dentro do túnel fazendo ajustes na bicicleta. Reparei que o Igor e o Palito davam risada, enquanto os engenheiros estavam com uma expressão um tanto confusa. Acostumados a grandes massas, eles não esperavam que diferenças tão pequenas de forças, de 0,7 a 0,8 Newton, pudessem ter tamanho impacto na velocidade e desgaste do atleta”, explica Fernando Rianho, fisioterapeuta e certificado como Master Fitter em bike fit Retül, que participou de todo o processo.
Bike fit
A avaliação começou no estúdio de bike fit de Rianho, onde foram feitas medições da bicicleta de Igor e do posicionamento do atleta em diferentes intensidades. “A primeira parte da avaliação consiste em um bike fit dinâmico. Não adianta fazer testes no túnel de vento, com todo equipamento para melhorar a aerodinâmica, se o ciclista não está apto para gerar potência nesta posição”, explica o fitter.
No caso de Igor, a posição inicial já era bastante boa. No entanto, habituado a utilizar um pedivela de 172.5mm, o triatleta estava trabalhando com um ângulo de quadril bastante fechado na parte alta da pedalada. “Uma das preocupações durante a análise dinâmica do posicionamento do Igor no estúdio foi em relação ao quadril. Quanto mais aberto no ponto alto da pedalada, melhor para aplicar força. Como a troca do pedivela por um menor não era opção, a forma de realizar isso foi elevar levemente o tronco do Igor”, explica Rianho.
Fernando explica ainda que, ao subir ligeiramente a frente da bicicleta – o que realizou com a elevação em 10mm dos apoios de antebraços e dos clipes, sem mexer no aerobar – é normal que o atleta ganhe não apenas em liberação do quadril, mas também do tronco. “Ao elevar um pouco o apoio, o atleta ganha em mobilidade de ombros, muitas vezes permitindo que ele ‘se feche’ mais e compense esse ajuste abaixando mais as costas”, complementa. No entanto, este é um movimento que exige adaptação do ciclista à nova posição, o que deverá ser avaliado posteriormente, após um período de treinos e provas com o novo ajuste.
Esse processo pode ser chamado de body fit, uma vez que o atleta se molda às necessidades de performance. Normalmente, no bike fit de um triatleta, o ajuste do posicionamento passa necessariamente pela questão do conforto – em função da longa duração dos esforços na posição aerodinâmica, o fitter busca minimizar a compressão do diafragma, permitindo ao atleta respirar e alimentar-se bem durante o percurso. No entanto, quando se busca segundos, que fazem a diferença entre um lugar no pódio ou uma corrida solitária, o atleta é obrigado a se adaptar à posição mais eficiente – um equilíbrio em termos de produção de potência e de economia energética promovida pelos ganhos aerodinâmicos.
Efeitos do vento
O arrasto aerodinâmico é a maior força de oposição ao movimento do ciclista, podendo ser responsável por até 85% da resistência ao movimento em um percurso plano. Segundo Marcelo Rocha, também especialista em bike fit Retül, “o arrasto promovido pelo ciclista é maior que o da bicicleta e todos os seus componentes juntos”. Por isso, mais do que adquirir uma bicicleta extremamente aerodinâmica, é importante diminuir ao máximo a resistência provocada pelo conjunto composto por ciclista, bicicleta, rodas, capacete e acessórios.
Os testes no IPT foram realizados com ventos a até 70 km/h, velocidade semelhante ao que é frequentemente experimentado pelos triatletas na famosa descida de Hawi, após o retorno do ciclismo do Campeonato Mundial de Ironman, em Kailua-Kona. No entanto, por questões técnicas, os engenheiros só puderam avaliar os efeitos do vento frontal. “A equipe da USP se desdobrou para fazer o teste do Igor. Os engenheiros Gabriel Borelli e Gilder Nader usaram um rolo do meu estúdio em uma plataforma suspensa, tudo montado sobre uma célula de carga, para medir a força do arrasto”, conta Rianho.
A célula de carga utilizada não permitia medidas com yaw angle diferente de zero (incidência de vento em ângulos inclinados) e nos testes foram realizados em alta velocidade a frente da bicicleta ficou bastante instável. Por isso, alguns ajustes serão feitos à estrutura do IPT para receber outros atletas no futuro. Uma delas será a adaptação de uma célula de carga existente em um tanque naval de 270m, também do IPT, para avaliação dos efeitos do vento lateral e inclinado. Isso porque o custo de uma célula de carga é de aproximadamente US$100mil, tornando inviável a aquisição de uma específica para testes desta natureza.
Resultados preliminares
Os cientistas do IPT ainda estão trabalhando nos dados captados, que são “filtrados” por meio de software específico para reduzir a informação apenas aos números de interesse. No entanto, alguns números preliminares já se mostraram bastante significativos.
Em uma das avaliações realizadas, foram comparados dois jogos de rodas: um par de rodas ENVE de perfil 80mm e um conjunto de rodas ZIPP, com disco Sub-9 e 808. Com Igor pedalando à velocidade de 45 km/h – e lembrando que o vento era completamente frontal -, o desempenho do conjunto com disco foi muito superior ao das rodas de perfil alto, economizando entre 25 e 35 watts de potência para diferentes velocidades do vento.
Foram também testadas diferentes posições sobre a bicicleta – tradicional, com apoio na basebar; clipado, em posição convencional de competição; abaixado e sentado sobre o selim, como muitas vezes aplicado em descidas curtas; e tucked – sentado sobre o top tube, com o corpo bem fechado e o peso jogado sobre a frente da bicicleta, como frequentemente visto em execução por ciclistas do Pro Tour em descidas longas e pouco técnicas.
“Nas posições ‘super agressivas’, em que não é possível aplicar força aos pedais, foi nítido que ele conseguiu se fechar mais quando sentado no top tube. A grande dificuldade é entrar e sair dessa posição, além de manter o controle da bicicleta, então na maioria das vezes o risco não compensa o potencial benefício”, diz Rianho. Os ganhos apresentados, quando comparada a posição tradicional e tucked, foram de aproximadamente 13%.
Já nas posições tradicionais, pedalando, foi possível perceber um ganho significativo quando o atleta abaixa propositalmente o tronco, como instintivamente faz quando passa por uma seção com vento contra. “Essa aproximação do tronco ao aerobar diminui a mobilidade da região cervical, mas também reduz a área projetada – e, consequentemente, o coeficiente de arrasto (CdA). Em retas longas, em que o Igor pode se permitir não olhar tanto para a frente, baixar a cabeça gera um pouco de ganho aerodinâmico e alivia temporariamente a pressão na região cervical”, completa o especialista.
Próximos passos
Igor agora viaja para a Holanda, onde compete no Ironman Maastricht – Limburg, no dia 31 de julho, buscando a classificação para o Mundial de Ironman. Depois, ele passa um mês competindo fora do país, encerrando a sequência no Campeonato Mundial de 70.3, na Austrália.
Já os cientistas do IPT continuam os trabalhos no túnel de vento, que a partir de agora será aberto ao público. Interessados devem entrar em contato com a equipe do Eng. Gabriel Borelli pelos telefones (11) 3767.4757 / 3767.4738 ou site www.ipt.br para maiores informações.
Fotos: (c) Fernando Rianho & Rodrigo Roheniss